"Rua do tamanho do Mundo"

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sábado, 21 de julho de 2007

Stress pós-traumático: «Olivais desease!»

Tenho lido atentamente o blog, sempre que posso. E noto que há várias pessoas a dizerem uma coisa que acontece também comigo:
- Parece que se criou um bloqueio e não consigo ir buscar memórias dos Olivais. Tenho ideias gerais, mas não consigo contar pormenores, momentos em que eu tenha o filme todo, princípio meio e fim.
É estranho...
Depois leio as vossas histórias, e muito do que leio faz sentido, relaciono com as minhas vivências.
Mas, que raio... tenho flashes, pequenas imagens que se sobrepõem e empurram para outras...

E isso deixa-me preocupado.


Por outro lado, deixem-me contar:
Tenho um amigo que está a viver momentos difíceis.
Jornalista como eu, entrou na profissão e nunca mais parou. Trabalho, trabalho, grande dedicação, pouca vida privada... muito trabalho, trabalho, trabalho...

Bem, acontece que este meu amigo se reformou há 3 anos. Tinha perto de 60 anos, propuseram uma indemnização para sair... e como estava cansado... aceitou!

Pois, fez mal. Muito mal.
Era um homem cheio de vida. Não parava quieto. Nunca vi uma pessoa com tanta energia, boa disposição, capacidade de trabalho... eu sei lá...

Ora, o que lhe aconteceu?
De um dia para o outro, deixou de trabalhar. Foi só isso.
E essa pequena mudança na sua vida... estragou tudo. Espoletou um trauma que nem ele próprio sabia que tinha:

Acorda durante a noite aos gritos, tem pesadelos com episódios da guerra colonial, cenas que tinha apagado da memória... e que agora voltaram. Os médicos medicaram-no, e agora parece um velhinho... quase não fala... enrola a língua... só quer é dormir...

Ora, imagino eu... este bloqueio que sinto em relação aos Olivais vai manifestar-se um dia... :

Já tou a imaginar:

«Sôtôr, acordo todas as noites desesperado... um dia destes acordei com um pesadelo horrível: a minha mãe tinha descoberto que eu tinha um SG filtro (que custou 5,6 escudos) escondido na casinha do quintal atrás. Outro dia acordei, imagine lá sôtôr, tinha perdido o meu pião, o Zézinho acertou-lhe mesmo com o bico em cima, rachou-se ao meio»...

- «Ah, isso é muito grave, o senhor vai ter de ser medicado. Mais um pesadelo desses e pode ter uma paragem cardíaca»... diz o médico de sobrolho dobrado.

- «Sôtôr, sabe qual é o meu maior receio? É um dia destes acordar no meio de um pesadelo terrível, que era eu a jogar ao toque na rua 1 com o Fernando Azevedo, e aparecer um motorista da Carris com uma pistola na mão, para se vingar da pedrada que atirara ao autocarro na véspera»...

- «Tenha calma! Temos uns comprimidos muito bons. O senhor vai dormir descansadamente... de noite e de dia...» diz o médico já de caneta afiada a prescrever uns tranquilizantes! Mas ainda insiste: «Conte lá mais alguns pesadelos, para eu perceber melhor a sua fobia...»

- «Bem, a semana passada, sonhava eu que tinha uma fisga fantástica. Íamos todos às lagartixas e osgas, e eu acertava sempre. Aquela fisga era um milagre... O «y» de arbusto tinha sido cortado da gigante sebe do quintal do Jãjã. Mas era um «y» perfeito. Os elásticos, comprados na drogaria, ao pé do «café do gordo», atados com cordel da tasca da Marechal da Costa (onde é hoje a RTP) tudo estava perfeito. Uma fisga perfeita. Mas, dizia eu, sôtôr, estava eu e o Tico à fisgada às osgas no quintal dos Afonsos (aquele muro alto que dava para o quintal do Jãjã tinha muitas heras e as osgas escondiam-se ali, procurando o sol entre as folhas) quando atiro uma fisgada com uma pedra arredondada (um seixo, cavado da terra nas Oliveiras) e esta faz ricochete e parte o vidro do carro do major Altinino, estacionado na curva da Rua 2 para a rua 4. Acordei, sôtôr, no momento em que o major aparece... que susto!!!»


- «Não se preocupe. Vai tomar estes comprimidos, de oito em oito horas... Já lhe identifiquei o problema. O João viveu uma infância muito intensa. muitas traquinices, muitas aventuras. O seu sistema psicológico encontrou uma forma de o libertar dessa marca forte, e apagou-lhe os registos. Como se tivesse um disco rígido no seu PC daqueles externos que só liga quando precisa de ir lá. Assim está a sua memória dos Olivais. De repente, o disco ligou-se. Por uma razão qualquer, esses dados estão a chegar-lhe em bruto... e causam alguma distorção. Você tem pesadelos com coisas que não chegaram a acontecer. Mas olhe que podiam ter acontecido... Vocês arriscavam muito... »

- «Mas, Sôtôr, queria perguntar-lhe: Será possivel receitar-me uns comprimidos que me permitam relembrar as coisas muito boas que vivi nos Olivais e que não consigo lembrar-me, sem estes pesadelos?»

- O Doutor não respondeu...

João Pedro Fonseca
«JoãoZinho»

1 comentário:

JPN disse...

eheheheh! boa história!